Colmar Duarte - Criador da Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul - atuou nos filmes Lua de Outubro interpretando Lourival e Netto Perde Sua Alma interpretando Calengo

 

 

AMIGOS


          Um pensador de plantão – desses que andam por aí enxergando guampa em cabeça de cavalo e atropelando moinhos com a lança em riste -- certo dia saiu com esta: “ O valor de um homem não se mede pelos amigos que tem, mas pelos inimigos que faz.”

          Não vejo dessa forma. E me entristeço quando encontro pessoas esclarecidas, detentoras de razoável cultura, com capacidade e oportunidade de realizar grandes coisas, erguendo a espada contra quem não se submete aos seus caprichos, numa demonstração clara de desconhecimento dos limites de seu poder.

          Por isso, prefiro sempre fazer referência aos amigos que a vida me reservou.  Aos outros, digo como aprendi com o Quintana -- o do Alegrete – “Eles passarão, eu passarinho!”

          Um desses amigos, dos tantos que adoçaram meu coração ao largo dos anos, se chama Jarbas Pessano. Conhecemo-nos desde que éramos guris, aqui em Uruguaiana. Toda vez que vou à capital do Estado, onde reside, me espera com o mate pronto e algum recorte de jornal, onde se lê um poema, ou algum texto inteligente. Cozinheiro de mão cheia e panela farta, está preparando o lançamento de um livro onde ensina os leigos a melhor aproveitar a carne de gado totalmente. O nome da obra diz tudo: “Da Língua ao Rabo”.        

           Jarbas vive em Porto Alegre há muitos anos. Seu mate espumoso (até hoje ceva o mate com erva escolhida nas bancas do Mercado Público), a comida com tempero sem igual, a hospitalidade levada aqui da fronteira e a cumplicidade da Maria Teresa, fizeram, desde muito tempo, de sua casa ali na Rua da República, o lugar de encontro de artistas ligados à música e à poesia. Em sua casa foi escrita uma página da história da gestação da Califórnia da Canção Nativa. Pois, a meu pedido, o Binha – seu apelido de guri – reuniu para uma noitada memorável, os responsáveis pelo que de melhor se fazia na arte regional. Estavam presentes: Glaucus Saraiva, Telmo Freitas, Glênio Fagundes, Paulo Fagundes, Ribas, Noel Guarani, Jayme Caetano Braun, entre outros. Além dos uruguaianenses que viajaram comigo.

          Nessa noite eles nos encantaram com declamações, cantorias, payadas e trovas de improviso entre Jayme Caetano Braun e Telmo Freitas. E ficaram sabendo da realização, ainda naquele ano, da primeira Califórnia de Canção Nativa.

          A exposição da ideia e a aprovação de todos foi o grito de partida para aquela largada numa cancha sem trilhos nem andarivel.

          Anos depois, Jarbas se arranchou na rua Thomas Flores, quase esquina da Vasco da Gama, no Bonfim. Foi ali que, em uma das minhas visitas a Porto Alegre, conheci o poeta Antônio Augusto Ferreira.

 

          Falamos sobre a Califórnia e o incentivei a participar do festival. Em 1980 ele concorreu pela vez primeira, tendo como parceiro Everton Ferreira, com três canções. Antes da noite final, Glaucus Saraiva me comentou: o nome da vencedora não sei, mas o autor eu sei – é Antônio Augusto Ferreira!  Tal a beleza das três composições de sua marca. O Tocaio recebeu a “Calhandra de Ouro” pelo “Veterano”.

          Mas minha admiração pelo Antônio Augusto não se restringe aos belíssimos poemas que escrevia ou às iluminadas letras do grande número de canções que compôs, mas por haver conhecido o ser humano admirável que era, e ter sido honrado com sua amizade.

          Tive muitas oportunidades de estar com ele. Se não foram frequentes, foram intensas e proveitosas. Participamos juntos de concursos, festivais, palestras, debates, feiras e lançamentos de livros. Estive em suas marcações, no Rincão do Inferno; vi seu filho Mauro Ferreira crescer para o ofício da poesia e tornar-se o melhor letrista da música campeira (recebeu a Calhandra de Ouro por quatro vezes); hospedou-me em sua casa; deu-me a honra de prefaciar um livro seu; propôs minha admissão para a Academia Rio-grandense de Letras e presenteou-me com uma cuia, cultivada por ele, e por ele trabalhada com capricho. Manuseada em meu mate de todas as manhãs é minha confidente nesse ritual de sorver reminiscências no espírito das coisas.

           Faz bem à alma lembrar esses amigos, que, como muitos outros que a vida me deu, são parte de uma querência onde não se conhece a tristeza.

 

 

LEMBRANDO MARTIN FIERRO

 

Dios formó lindas las flores,              Le dió claridá a la luz,

Delicadas como son,                        Juerza en su carrera al viento,

Les dió toda perfección                    Le dió vida y movimiento

Y quanto El era capaz.                     Dende la águila al gusano,

Pero al hombre le dió más               Pero más le dió al cristiano

Cuando le dió el corazón.                Al darle el entendimiento.  

 

                                      Jose Hernandez

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Escritor Colmar Duarte será empossado dia 27/05/2014, na Academia Rio-Grandense de Letras

 

   

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