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O caderno Fronteira Oeste, encarte do jornal Zero Hora deste domingo
que passou, traz uma belíssima homenagem aos 179 anos do Alegrete.
Terra gaúcha, capital farroupilha quando da fundação de Uruguaiana,
berço de grandes rio-grandenses, Alegrete bem merece o destaque
recebido.
No entanto, duas ausências me deram o que pensar. Não consta
da relação dos “Atrativos Culturais” aí mencionados, o monumento ao
Negrinho do Pastoreio, obra do internacionalmente conhecido escultor
uruguaianense, Vasco Prado. Também não encontrei relacionado entre
os “Filhos da Terra”, o poeta João da Cunha Vargas.
O escultor Vasco Prado não ter sua obra relacionada como
atrativo cultural - mesmo tendo obras em praças e prédios de países
como, Alemanha, Estados Unidos, Argentina, França, Japão, Polônia e
Uruguai - é até compreensível, pois nem em sua terra natal é
reverenciado como merece. Mas o poeta João Vargas não estar
mencionado entre os “Filhos da Terra”, não dá para entender.
João da Cunha Vargas é, sem favor algum, um dos vates mais
representativos do verso de raízes gaúchas. Homem que se dizia quase
analfabeto, pouco aprendera da cultura convencional. Mas o que
aprendera por vivência e sentimento, certamente, o credenciava aos
títulos de pós-graduação, mestrado
e doutorado da nossa poesia regional.
A Califórnia, fiel aos objetivos que motivaram sua criação,
homenageou esses dois expoentes da arte. Vasco aqui esteve, em 1998,
valorizando o júri que escolheu o cartaz para a décima oitava
edição. Tive a enorme honra de fazer parte desse júri com ele.
Morreu em 09 de dezembro desse mesmo ano, na véspera da abertura do
festival, quando seria homenageado.
Dias antes, por telefone, ouvi dele o pedido de desculpas
por não poder estar presente; dizia-se cansado para uma viagem longa
como essa.
Estaria, com certeza, se preparando para uma viagem muito mais longa
e sem retorno.
Bem antes disso, a Califórnia é que fora homenageada pelo
escultor, quando criou, e ofereceu ao festival, o troféu Vitória,
que é entregue a cada edição, ao vencedor da Linha rio-grandense. A
partir de sua morte esse belo troféu passou a ser chamado: troféu
Vasco Prado.
João
da Cunha Vargas, em 1978, portanto dez anos antes, participou como
convidado especial da Califórnia. A platéia do cine Pampa assistiu,
extasiada, o poeta do Alegrete, declamar seus próprios versos,
acompanhado pelo violão de Glênio Fagundes e apresentado pela
palavra emocionada de Glaucus Saraiva. Ao finalizar aquela histórica
apresentação, foi aplaudido de pé, pelo público que superlotava as
dependências do teatro. Sua estampa, fotografada nessa ocasião,
ilustra o cartaz e a capa do disco comemorativo da nona edição do
festival.
Três anos depois, no dia 28 de maio de 1981, recebi em minha
casa, a visita de Mozart Pereira Soares e Alcy de Vargas Cheuiche,
que me presentearam com o livro “Deixando o Pago”, de autoria do
poeta, em edição póstuma; João Vargas, falecera sem ver publicados
os seus versos.
A obra desses dois artistas, como suas almas iluminadas,
estará preservada para sempre. O reconhecimento dos contemporâneos,
nunca foi e nem será maior que a certeza da perenidade da obra de
verdadeiros artistas, como eles. Enquanto o mundo for mundo ficarão
pelos países do planeta as esculturas de Vasco Prado, como aquele
Negrinho do Pastoreio, investindo a cavalo com seu grito de
liberdade contra a tirania e o preconceito, na pequena pracinha do
Alegrete. Como permanecerão os versos de João da Cunha Vargas,
mostrando toda a sabedoria contida na simplicidade de uma poesia
regional, tão universal como a esperança, tão verdadeira como os
sonhos dos dois artistas por um mundo melhor.
LEMBRANDO JOÃO VARGAS
Fui pelechando na estrada
Fui conhecendo as estâncias,
Do velho torrão pampeano.
O dono, a marca, o sinal,
Já cerrava sobreano,
Churrasco que já tem sal,
Cruzava de um pago ao outro,
Guaiaca que tem dinheiro,
Quebrando queixo de potro
Cavalo que é caborteiro
Sem nunca ter desengano.
E o jujo que me faz mal.
( Gaudério – João Vargas)
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